Texto escrito para a Revista MotoMercado (Coluna Viagem) - Abril 2014.
Duzentas e cinquenta curvas em oito quilômetros de estrada concretada, que te levam do nível do mar até 1.420 metros de altitude, com uma variação da temperatura ambiente que pode chegar a 50%, ou seja, sair do nível do mar com 30 graus de temperatura e dez quilômetros depois estar a 15 graus, definitivamente, não é para iniciantes.
Estes fatores fazem com que a Serra seja um trajeto cauteloso e técnico. E, em alguns trechos, a pilotagem difícil provocará receio no piloto em virtude do trajeto sinuoso.
A estrada que cruza esta serra catarinense é bem sinalizada, bem pavimentada, protegida com muretas e bem monitorada pelas autoridades. Então as dificuldades da pilotagem, neste caso, não são por conta das condições da estrada, mas sobre o próprio piloto. Desta forma, testando suas condições físicas, técnicas e psicológicas, sobremaneira os ´apressadinhos´, ´indecisos´, ´impacientes´ e ´inábeis´ tendem a beijar o chão desta Serra.
Assim sendo a sensação de ter sido iniciado no motociclismo é o sentimento que temos ao completar este trecho de floresta de Araucárias intactas, fauna e flora exuberantes formando paisagens espetaculares, tendo como moldura a Serra Geral e nela a estrada escavada em rocha natural que serpenteia um verdadeiro precipício e contorna um profundo cânion .
A Serra do Rio do Rastro é um dos cartões postais de Santa Catarina. A rodovia liga a Serra catarinense ao litoral do estado unindo o planalto serrano (com temperaturas negativas no inverno, campos cobertos por gelo e neve) à planície litorânea colonizada por italianos e alemães de clima ameno.
Por tudo isso é considerada uma das estradas mais bonitas e desafiadoras do Brasil. Não obstante o fato de ter sido eleita a ESTRADA MAIS ESPETACULAR (assombrosa, em espanhol) DO MUNDO. O resultado da enquete (realizada por um site da internet) do jornal espanhol 20 Minutos é incontestável: A Serra do Rio do Rastro aparece em primeiro lugar, seguida pela ponte de Storseisundet, na Noruega e pelo túnel de Guoliang na China.
Vamos a lista completa e respectiva pontuação:
1. Carretera Sierra Río de Rastro, Sta. Catarina (Brasil) - 53.256 pontos
2. Puente de Storseisundet, Carretera del Atlántico (Noruega) – 12.403 pontos
3. Túnel de la Carretera de Guoliang (China) - 11.536 pontos
4. Trollstigen (La escalera del troll) – Noruega – 8.011 pontos
5. Los caracoles del paso de Libertadores – Los Andes – 7.968 pontos
6. Camino de la Muerte (Bolivia) – 7.925 pontos
7. Viaducto de Millau, Carretera de París a Barcelona – 7.620 pontos
8. Autopista Elevada (Florida Keys) – 6.938 pontos
9. Corredor de nieve hacia el Monte Tateyama (Japón) – 6.906 pontos
10. Autopista 17, Carolina del Sur (Estados Unidos) - 6.803 pontos
11. Paso Stelvio – Italia – 5.570 pontos
12. Autopista de James Dalton (Alaska) - 5.101 pontos
13. Transfăgărăşan o DN7C – 4.888 pontos
14. Camino a Fairy Meadows (Pakistán) - 4.883 pontos
A Serra do Rio do Rastro é um trecho da rodovia SC-438, que, partindo da cidade de Tubarão, região do litoral de Santa Catarina, passa por Orleans, Lauro Müller, Bom Jardim da Serra, São Joaquim e chega até Lages no planalto serrano catarinense.
Por volta de 1730, famílias vindas do Rio Grande do Sul iniciaram o povoamento desta região. A dificuldade em adquirir gêneros de primeira necessidade levou os moradores a abrirem uma trilha na Serra Geral, ligando a região com o litoral, mais precisamente com a cidade de Laguna. À época, a trilha ficou conhecida como Serra do Doze (pesquisamos, mas não descobrimos o porquê do ´Doze´).
Por essa trilha passavam pedestres e cavaleiros com suas tropas de mulas, ou seja, um caminho para tropeiros, que transportavam mercadorias (charque, couro, queijo e pinhão) das cidades localizadas sobre o planalto serrano, como São Joaquim e Lages, e, retornando com sal, açúcar, farinha e tecidos produzidos no litoral. Conta a história, que a trilha era de muito difícil passagem, sendo comum a perda de mulas que caiam nos precipícios da encosta.
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Foto exposta na Churrascaria Casa Branca no centro de Bom Jardim da Serra |
Em 1903, o então Governador Vidal Ramos inaugura uma estrada que partindo da atual localidade de Lauro Müller, permite o acesso até São Joaquim e Lages denominada então "Estrada Nova".
Em 1905, foi fundado o povoado e, com ele, construídas uma capela, em homenagem a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e uma escola. Em 1921, foi elevado à categoria de Vila, chamando-se Cambajuva. Em 29 de janeiro de 1967 foi criado o Município, sua instalação oficial aconteceu em 5 de março do mesmo ano.
No início dos anos 80, a rodovia SC438, que percorre a Serra, foi pavimentada. Nesta Região, a cidade de Bom Jardim da Serra - um dos municípios mais frios do país - possui uma das mais belas topografias do estado. É também chamada de “Capital das Águas” pelo grande número de rios que nascem na região.
A natureza toma força e vigor com suas cascatas e montanhas cobertas por uma vegetação intocada. A Serra fica a 11 km do centro da cidade. São 12 km de estrada concretada para permitir o tráfego, especialmente em dias de neve e geada. A iluminação instalada a partir do ano de 2002, fez com que recebesse mais um atrativo, sua subida no período noturno é como se estivéssemos em um Grandioso Palco, onde nós figurantes, contracenamos com a Grandiosa Atriz Romântica - Serra do “Caminho da Luz” (outro nome dado a Serra do Rio do Rastro).
Em outras ocasiões eu havia subido a Serra fazendo o trajeto: Florianópolis/Tubarão (BR101), Tubarão/Lages (SC438), daí pela BR282 até a Grande Florianópolis.
Desta vez, resolvi descer. Então, defini ir de Florianópolis a Urubici (BR282), de lá até São Joaquim pela SC430. Vir pela SC438 até Tubarão e de lá, pela BR101, voltar a Florianópolis.
Então, escolhido o destino e traçado o trajeto. Roupa na mochila. Mochila no bauleto. Bauleto na moto. E, moto na estrada.
Preventivamente, resolvemos usar as parcas modelo ÍNDIGO da LookWell. A temperatura em Florianópolis era em torno de 26 graus, mas é sabido que aquela região prepara surpresas geladas. Neste caso, retiramos os forros aquecedores e levamos no baú. Chove pouco esta época do ano, pesquisamos a previsão climática (Epagri) e confiamos na impermeabilidade de nosso equipamento. Acertamos, não choveu.
Testamos um equipamento novo, que nos foi enviado pela HSS Racing. Usamos – por baixo da parca e calça – um modelo de roupa segunda-pele que compreende uma blusa de mangas compridas e uma calça comprida.
Feitos com uma composição de poliéster e elastano o conjunto WARM permite o aproveitamento do calor do próprio corpo. Na verdade, a roupa não aquece. Ela não permite a perca de calor para o ambiente. Isso vai manter seu corpo a, uns médios, vinte e seis graus. O quê para os ´encalourados´ é confortável. Além disso, o tecido é semi-elástico moldando-se ao corpo dando conforto e, principalmente, mobilidade. Não tem nada pior que vestir uma roupa para frio que deixe a impressão de estar travando seus movimentos.
Desenvolvida originalmente para esportes radicais, e adaptada para o motociclismo, chamou-nos a atenção detalhes como gola-padre alta (para proteger a garganta do frio), com zíper protegido por um tecido macio (para não arranhar o pescoço) atendendo perfeitamente à prática do motociclismo.
Conhecido como ´Vale Europeu´, a BR282 corta as cidades de Santo Amaro da Imperatriz, Rancho Queimado e Alfredo Wagner na Serra Geral rumo ao Planalto Catarinense duplicada em poucos pontos da rodovia.
O trecho é sinuoso, mas permite um visual onde a natureza exibe suas montanhas e cascatas dando um espetáculo aos viajantes.
Logo após a cidade de Bom Retiro, há um trevo que liga a SC430, rodovia que nos levará a Urubici. Este trecho exigirá habilidade e calma do piloto. Pessoalmente, considero um dos mais perigosos de SC. No sentido BR282 a Urubici há um declive muito acentuado com curvas muito fechadas e com pouca tangência. Além disso, a umidade faz com que o pavimento fique escorregadio em alguns pontos. Cabe muita cautela.
Em Urubici há boas pousadas e hotel para aqueles que resolverem fazer passeios como o da Serra do Corvo Branco (Urubici a Grão Pará), Morro da Pedra Furada e algumas cascatas. Vale aqui a indicação gastronômica para as trutas da região. São ótimas.
Continuamos rumo a São Joaquim, ao fim da tarde a temperatura nos avisou que havíamos chegado.
Três graus em abril. Mas, até que estava agradável. ...Na frente da lareira é claro!
Nossos amigos, parceiros de viagens (Ayrton e Vilma), nos aguardavam no Centro de Treinamento da Epagri. Noite de churrasco, queijos, vinhos e muito ´bate-papo´.
Amanhece o dia, geada até ás oito horas. Lá pelas dez horas o sol eleva a temperatura até uns quatorze graus e deixa o ambiente ideal para prosseguirmos o passeio.
Saímos de São Joaquim em direção a Bom Jardim da Serra pela SC438, cortando o Planalto Catarinense sobre a Serra Geral tendo as Araucárias, em sua forma nativa, como adereços da ´nossa´ estrada.
Uma parada no Snow Valley para um chocolate quente acompanhado de torta de maçã, morango, limão, nozes ou ... na dúvida, experimente todas. Aliás, a gastronomia desta região é maravilhosa. Iguarias como charque, queijos, embutidos, o tal de ´feijão tropeiro´, e, o famoso PINHÃO.
Sabe o que é?
Como assim, não sabe? Tá! eu explico ...
É a semente da árvore Araucária, por ser um Gimnosperma ela não tem frutos. A semente não tem ´envólucro´, que seria o fruto, apenas uma casca.
Dica da nossa bióloga de plantão Márcia Patrícia.
Importa é que com ele bem cozido faz-se FAROFA COM PINHÃO, PÃO COM PINHÃO, CHURRASCO COM PINHÃO, PUDIM DE PINHÃO e ENTREVERO COM PINHÃO... Entrevero é um prato típico da culinária serrana catarinense, feito com vários tipos de carnes cortadas em pequenos quadrados, tomate, pimentão, tempero e, e, e ... PINHÃO. Servido bem quente, suculento, acompanhado de pão ´crocante´ é tudo o que se deseja diante do frio da Serra.
Então, voltemos a estrada. Já no Município de Bom Jardim da Serra nos deparamos com um incêndio na vegetação. Prática local para ´limpar o pasto´.
Infeliz prática. Só provoca danos ao meio ambiente, prejudica a segurança (visibilidade) do trânsito no local, e, acidifica o solo com as cinzas quentes, queimando também seus nutrientes.
Triste e revoltante visão.
Chegamos ao mirante da Serra do Rio do Rastro, paramos para nos preparar para a descida.
Céu FECHADO. A neblina era forte e muito densa. Não se enxerga nada. Estes fenômenos climáticos são rotineiros nesta região.
Note, aqui começa a iniciação do piloto.
_ Primeiro teste. PACIÊNCIA.
Não cabe arriscar a segurança nestas circunstâncias, então, aproveite para fotos, conversar com as pessoas e principalmente, buscar informações sobre o trecho adiante.
_Segundo teste. TOLERÂNCIA.
Não perca o bom-humor, ninguém tem culpa da situação. Seja tolerante com o momento e procure tirar proveito da espera.
Aguardamos quase uma hora, quando a neblina começou a dissipar e um motorista, que acabara de subir, nos disse que abaixo do mirante (uns 2 Km) já havia boa visibilidade.
Então, começamos a descida. Faróis BAIXOS e auxiliares ligados. Toda a atenção aos outros veículos – que invadem a pista contrária nas curvas - e ao pavimento, procurando posicionar as rodas da moto nos ´trilhos´ mais secos, ou seja, nos pontos mais claros da pista.
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Ayrton e Vilma. |
Logo em seguida a neblina subiu, continuamos nossa descida com esta preocupação a menos.
_Terceiro teste. CONCENTRAÇÃO.
O trecho inicial (mais alto) é o mais sinuoso. Exigiu maior concentração para a pista e para o equipamento. Freios, embreagem e suspensão devem ser analisados o tempo todo pelo piloto. Sua concentração não pode falhar. Esteja atento para qualquer alteração da normalidade. Qualquer diferença que seja notada você deverá buscar um refúgio e parar imediatamente. Não arrisque.
_Quarto teste: HABILIDADE.
Aqui você conhecerá sua moto intimamente. Notará, na prática, aqueles efeitos que os artigos sobre pilotagem descrevem.
Notará que sua custom tem ´vontade própria´, nas curvas – algumas vezes – ela sai do seu traçado procurando a tangência por si só. Como se ela definisse a trajetória sem dar a mínima para quem está atrás do guidão.
Notará que sua esportiva não está tão colada no chão como você imaginou. A roda traseira parece que está querendo ultrapassar a dianteira. Aja braço pra segurar a briga das duas.
Notará que sua big trail é pesada. E que, ou você usa este peso a seu favor, ou terá a impressão que o guidão afrouxou.
¬_Quinto teste: LIMITES.
Conheça e respeite, seus próprios limites.
A Serra é um grande passeio do qual você nunca mais se esquecerá. Desejamos que esta lembrança seja apenas de momentos bons. Seguramente, é bom ter domínio da moto antes de fazê-lo.
No trajeto, você notará vários locais que permitem paradas seguras, monumentos e venda de souvenirs. Então, curta a paisagem, fotografe muito, respire aquele oxigênio puro e agradeça aos céus por estar ali.
Na segunda metade do trajeto as curvas são bem mais amenas, isto permite uma pilotagem menos tensa, mais prazerosa. Sugiro que pare e veja o que acabou de fazer. Aos pés da Serra você olhará para cima, verá a estrada e se orgulhará de ser motociclista.
Em dias de céu limpo, pode-se avistar o mar na região de Laguna, realmente um cartão-postal.
Chegando ao pé da Serra do Rio do Rastro você encontrará um trevo rodoviário que o levará a cidade de Orleans, Tubarão, Urussanga ou Treviso. Seguimos na direção de Tubarão para alcançarmos a BR101 e daí para Florianópolis pelo litoral catarinense.
Se você gosta de viajar, fique a vontade, sinta-se na estrada...
Lobo/Edna
Pesquisamos em:
www.cprm.gov.br/coluna/serra_rio_rasto.html
www.lauromuller.sc.gov.br/turismo/item/detalhe/9961
www.serracatarinense.com.br/bomjardim.htm
www.serradoriodorastro.net/
www.gazetadopovo.com.br/.../rio-do-rastro-corvo-branco-e-urubici-uma...
Portal G1
Boa Tarde!
ResponderExcluirParabéns pela bela dica de um roteiro de uma viagem muito mais que linda. Sugiro, quando chegar em Orleans, siga para São Ludgero, Braço do Norte, Gravatal e Tubarão (BR 101). Em Gravatal entre para conhecer. É uma linda cidade, com as melhores águas termais do mundo. Vale a pena conhecer, tem ótimos hotéis, comércio muito barato, etc. Também sou motociclista e apaixonado por viajar de moto. Eu a Esposa Eliani (que adora viajar de moto) mais um casal amigo (Sidney e Patrícia) aqui de Gravatal, fizemos várias viagens de moto juntos. Duas para o Chile.
Um Grande Abraço.
Álvaro José Medeiros Júnior
Gravatal - SC
Sugiro www.rotasantaebelacatarina.com.br
ResponderExcluirUm belo passeio, conhecendo Ilha, Lagoas, Dunas, Litoral, Serra e Planalto Catarinense em apenas uma ROTA, comprove pelo Site e ganhe um KIT e conste no Site Oficial da Rota Santa & Bela Catarina
Wagner